Água tratada transforma realidade do Bêco Nonato em Manaus
O Beco Nonato, localizado no bairro da Cachoeirinha, conviveu por décadas com ligações clandestinas e esgoto a céu aberto. A transformação começou em 2018, com o projeto “Vem com a Gente”, criado pela Águas de Manaus para implantar serviços básicos de saneamento e servir de modelo para outras comunidades da cidade.
A voz da comunidade: de moradora a líder
A doméstica Gisele Dantas, 45 anos, moradora há mais de 30 anos, se tornou peça-chave no processo. “Nossa água era clandestina, tudo pela lama. Quando perguntaram se a gente pagaria pelo hidrômetro, respondi: sim, pelo nosso bem, a gente paga”, recorda.

O desafio da engenharia: a solução da rede aérea
Segundo Hegno Silva, Engenheiro Civil e coordenador de projetos da concessionária, foi necessário mapear toda a área do bêco. “Lá foi criado o método Rede Aérea, o primeiro legalmente implantado no Brasil, adaptado às palafitas da região Norte.”

Como funciona o sistema de água e esgoto
No sistema implantado, a água chega de forma regular por meio da rede aérea, enquanto o esgoto é coletado em tubulações suspensas e levado até a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Educandos. O método foi adaptado ao terreno alagadiço e às casas sobre palafitas, garantindo abastecimento e coleta em condições antes consideradas inviáveis.

Além da torneira: CEP, direitos e tarifa social
A partir de 2020, os moradores passaram a ter água tratada e CEP oficial. “A gente não poderia matricular os filhos na escola ou acessar o CRAS. Hoje temos esse direito garantido”, relata Gisele, que também se tornou líder comunitária.

Fim do pesadelo da conta de água
Outro avanço foi a Tarifa 10, resultado da parceria entre a concessionária e a Prefeitura, que fixa em R$10,00 o valor cobrado de famílias em extrema pobreza. O programa oferece um um consumo de até 15 mil litros de água por mês, para ter direito, as famílias devem estar cadastradas no CadÚnico, sendo incluídas automaticamente pela concessionária.
Para Maria Ivone, moradora antiga, a diferença foi drástica. “Um dia cheguei do trabalho e minha filha disse que a conta de água tinha vindo: cerca de R$3 mil. Hoje, isso acabou.

Transformação que educa: da comunidade para a sala de aula
Na vida de Gisele, a mudança foi ainda mais profunda. A partir da experiência com a comunidade, ela voltou a estudar, concluiu o ensino médio e hoje já soma cursos de encanador e informática.
Agora, ela pensa em ingressar em uma faculdade de meio ambiente. “Antes eu não me arrumava, não estudava. Hoje faço cursos e penso em uma universidade. A água de Manaus mudou minha vida”, afirma.

Números que comprovam a mudança
O impacto dessa transformação foi medido em 2021 pelo Instituto Trata Brasil, Organização da Sociedade Civil formada por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país. Mais de mil famílias em becos e palafitas de Manaus foram ouvidas. O levantamento mostrou que 93% dos moradores estão satisfeitos com a água potável e 86% perceberam melhora direta na qualidade de vida.
Em 2022, o Beco recebeu sistema de tubulação ancorada para conduzir dejetos até a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Educandos. Todo o esgoto passa por tratamento e desinfecção antes de retornar ao rio.

O retrato do saneamento no Brasil
O Relatório de Qualidade da Água 2024 da Águas de Manaus disponibilizado aos moradores todo ano reforça a confiabilidade do serviço. São mais de 340 mil análises anuais e cerca de 900 testes por dia, que comprovam que a água pode ser consumida em todas as atividades, inclusive diretamente da torneira.

No Brasil, o saneamento básico ainda é um desafio central. O Ranking do Saneamento 2024 aponta que menos de 60% da população tem acesso à coleta de esgoto, e pouco mais da metade desse volume recebe tratamento.

Já o abastecimento de água chega a cerca de 93% da população, mas as desigualdades regionais são marcantes. Enquanto as capitais do Sudeste se aproximam da universalização, grandes cidades da Região Norte seguem com índices abaixo de 30% no esgotamento sanitário.
Por: Alinne Souza, João Diniz, Marcos Marizeiro, Maria Karine, Pablo Jorge