Economia

Contribuição prevista na reforma tributária pode gerar disputa entre estados, alerta especialista

Um trecho do texto da reforma tributária pode gerar disputa federativa entre os estados com a entrada do novo sistema de cobrança de impostos. Trata-se do dispositivo que permite a alguns entes instituírem uma contribuição sobre bens primários e semielaborados até 2043. 

Há estados que possuem contribuições que se aplicam sobre esses produtos, como os agropecuários e minerais, como condição para que os contribuintes recebam algum tratamento diferenciado em relação ao ICMS. Em Goiás, por exemplo, o governo cobra entre 0,5% e 1,65%, como contrapartida pela concessão de benefício fiscal ao contribuinte. 

Os recursos que os estados obtêm com essa contribuição são destinados para fundos com diversas finalidades, entre elas investimentos em infraestrutura e habitação. 

O advogado tributarista Rodrigo Pinheiro, sócio do Schmidt Valois Advogados, lembra que a constitucionalidade desses fundos foi alvo de questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que é proibido vincular receitas de impostos — neste caso, o ICMS  — a fundos com despesas específicas. O STF, no entanto, entendeu que não havia inconstitucionalidade. 

“O Supremo disse o seguinte: não há qualquer obrigatoriedade desses depósitos, pela simples razão de que o contribuinte não é obrigado a fruir do benefício. Você opta. E como tem um caráter facultativo, isso não teria uma natureza tributária. Teria a natureza de uma prestação voluntária feita pelo contribuinte, de natureza não tributária. Com isso, não há aquela restrição de vinculação de receita de impostos a fundos”, recorda. 

De acordo com a emenda constitucional da reforma, os estados que possuíam esses fundos até 30 de abril do ano passado poderão instituir contribuições semelhantes no novo sistema tributário, desde que tais contribuições continuem a se aplicar sobre bens primários e semielaborados e sejam voltadas para obras de infraestrutura e habitação. 

O problema, destaca Pinheiro, é que o texto também diz que os estados não poderão mais conceder benefícios fiscais no novo sistema. Isso significa que as contribuições semelhantes não vão mais poder ser exigidas como condição para que os entes concedam benefício fiscal aos contribuintes, uma vez que não haverá mais essa possibilidade. 

“As novas contribuições semelhantes deverão incidir sobre a prática de algum ato realizado pelo contribuinte, como venda de um produto ou auferimento de receita”, pressupõe. 

Nesse caso, ele pontua, a contribuição deixa de ter natureza voluntária  —  como no cenário atual, confirmado pelo STF  —, e passa a ter natureza tributária, pois o contribuinte seria obrigado a fazer o depósito em troca de alguma benesse do estado. 

“Se isso se confirmar, a gente vai ter, possivelmente, um debate federativo enorme, que é o de saber o porquê que alguns estados podem instituir uma receita tributária e outros não. Por que um tributo só pode ser criado por uns estados e por outros não?”, aponta. 

“Haverá uma discussão sobre pacto federativo com relação ao critério utilizado pela emenda constitucional para que se autorize que uns estados criem essas contribuições semelhantes e outros não sejam autorizados a criar as mesmas contribuições semelhantes. Isso pode dar controvérsia para tudo que é lado”, acredita. 

Se os estados que se julgarem prejudicados questionarem o texto constitucional, Pinheiro projeta dois cenários. No primeiro, o STF autorizaria todos os entes a criarem a tal contribuição semelhante. No segundo, nenhum deles teria essa permissão. 

Regulamentação

O especialista lembra, no entanto, que o possível embate tem como base a emenda constitucional aprovada no fim do ano passado e o entendimento do STF sobre os fundos. Com a análise das leis complementares, que vão detalhar pontos do texto, o cenário pode mudar. 

A apresentação das primeiras leis complementares pelo governo está prevista para esta semana. No entanto, grupos de parlamentares já se adiantaram e enviaram projetos de lei complementar para regulamentar pontos da reforma, como o Imposto Seletivo e os produtos da Cesta Básica Nacional de Alimentos. 

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